Oito mil setecentos e sessenta horas depois

Querido R.
Não o é vergonha nenhuma para mim dizer que depois que você foi embora, depois daquela última noite em que te tive tão perto, eu não queria trocar as fronhas do travesseiro. Passei semanas a fio na expectativa de que você voltasse e mesmo sabendo que não viria eu tinha uma parte de você comigo ali naquele cheiro inconfundível.
Também não é vergonha nenhuma pra mim assumir que depois que detectei a sua ausência eu passei a ter infinitas crises de choro tão logo você virou a esquina, por que eu sabia que a sua volta repentina foi apenas um momento e que não se repetiria e que meus sonhos tolos de viver o resto da vida ao seu lado eram mera distração para uma rotina pesada e dolorida que tive que enfrentar depois...
Hoje, passados 365 dias de sua partida, me vejo aqui, sentada no mesmo chão que muitas vezes me viu chorar de amargura, lutando pra não fazer uma loucura, e percebo que o chão é o mesmo, mas eu, eu já sou outra.
Me reconheço no espelho como uma mulher mais velha, com mais rugas, menos cabelos e mais solidão nos olhos.... É... esses dias longe de você não me fizeram bem. Procurei nos bares da vida solidão na bebida, procurei nos amores vazios, sustento pro coração. Mas nada adiantou, pois 365 dias depois eu ainda sou a mesma maluca despida chorando no tapete do quarto olhando o seu retrato e relembrando um amor que não existiu.
 Por que oito mil setecentos e sessenta horas depois de você virar as costas e nem dizer adeus dignamente eu ainda sinto aquela pontada no peito como se você tivesse acabado de sair de casa.
 Por que quinhentos e vinte e cinco mil e seiscentos minutos depois eu ainda abro as mensagens antigas tentando encontrar algo de errado que eu tenha falado que tenha te feito querer dar um fim ao “nós”.
 Por que alguns trilhões de segundos depois eu fui tomada de um desejo imenso de nunca mais morar nessa casa onde vivemos nossa história e me deu vontade de pegar o carro e sair por aí sem rumo, sem antes passar na porta da sua casa pra ver se te vejo de longe como fiz uma dezena de vezes.
 Por que simplesmente um ano depois eu já não suporto saber que tem uma outra boca que beija a sua enquanto a minha continua aqui esperando a sua volta, pra te receber com um enorme sorriso e dizer que estava morrendo de saudades.
 Por que minhas mãos já não se intimidam em te escrever uma carta que vai ficar arquivada no computador, ou naquele caderno de rascunhos, ou na memória das cartas não enviadas...
Hoje, um ano depois, já não é vergonha nenhuma para mim admitir que, eu ainda sinto a sua falta, e que a cada dia, hora, minuto ou segundo que seja, longe de você eu morro um pouquinho...