Sobre misérias

 Se colocar no lugar do outro tem sido uma das coisas mais importantes desse século moderno. Passamos por muitas mudanças: tecnológicas, políticas, sociais… mesmo assim ainda precisamos clamar ao outro que entenda e se coloque no lugar do menos afortunado. 

Não raramente tenho visto pessoas que se intitulam mais especiais ou importantes, fazendo coisas que não se justificam. As pessoas perderam o dom da escuta, poucas conseguem realmente olhar e vê. A maioria só olha. Olha e segue, como se não visse a necessidade de entender o que tem ali, diante dos olhos. 

A legitimidade desse tipo de comportamento tem sido tão grande, que, não mais nos assustamos com ele. As pessoas perderam a capacidade de sentir  qualquer sentimento que as faça ter que mudar a rota de costume. 

A miséria humana não é apenas a falta do que comer. O item que mais tem faltado na mesa da humanidade tem sido a empatia! 

Sem espaço na nuvem

 Qual nome a gente dá quando não consegue apagar as fotos antigas com quem vivemos uma relação? Eu sinceramente não sei! Fico me questionando sobre o fato dessas fotos ainda permanecerem ocupando espaço de armazenamento na minha nuvem e mesmo não tendo mais vínculos temo em apagar. 

São fotos bonitas tiradas em momentos legais, dias ocasionais em que a preocupação era substituída por algum momento de tranquilidade. 

O que a gente faz quando decide partir mas uma parte da gente ainda continua ali? Olhar pra essas fotos tem me causado uma certa estranheza, é como se eu fosse telespectadora da minha própria vida. 

Não me trás sentimento de saudade ou arrependimento por ter partido de onde eu não me encaixava mais. Porém, ainda não consigo apagar. Creio que pela expectativa de estar tentando achar o meu lugar, essas memórias sejam um lembrete de onde estive e pra onde não quero voltar,  afinal, não tem mais espaço na nuvem pra esse monte de fotos, não tem mais espaço na vida pra esse monte de incertezas… 

Casa sem casa

 Uma das minhas primeiras lembras de infância que me surgem volta e outra é de uma casa onde moramos eu, minha mãe e minha irmã. Naquela época a pobreza era rotina e tínhamos tão pouco que mal era o suficiente pra sobreviver. 

Assoberbada pelo trabalho na roça e a criação de duas filhas pequenas, tenho certeza de que não foi fácil para aquela jovem mulher se virar sozinha. 

Ao cair da noite, era dura a realidade: por um certo tempo não tivemos energia elétrica, usávamos lamparina e velas. A água era armazenada em um enorme tambor de plástico que fazia o papel de caixa d’água e por vezes nem tinha. 

Naquela época era normal buscarmos água em uma mina que ficava a uma boa distância de caminhada, não só a minha pequena família tinha esse ritual, mas muitas outras famílias que moravam naquela pequena cidade. Diziam que a água fornecida pelo saneamento não era apropriada para consumo, e pasmem: buscávamos água em garrafas plásticas, muitas de roundup, um perigoso herbicida usado nas plantações naquela época. 

Mas voltando a casa em que vivíamos, se tratava de uma casa feita de bambu e barro, a qual davam o nome de “barraco barreado”, era comum os mais pobres construírem aquele tipo de casa, inclusive, tenho uma vaga lembrança de ter participado da construção do barraco novo de uma tia. O processo era bem simples e primitivo: uma estrutura em formato de casa era erguida, usando bambu e arame. Depois disso era fazer toneladas de barro e revestir toda a casa, e, assim estavam prontas as paredes da nova residência. O piso era por costume com barro vermelho ou branco. Os mais ousados faziam ele verde, sabe como? Não se assuste : usava-se “bosta de boi”! Isso mesmo! As fezes colhidas no currais, que eram dissolvida na água e usadas para passar no chão dos barracos…

Passadas as curiosidades, e voltando a minha memória, me lembro de algumas noites chuvosas o quanto era assustador. Hoje em dia ainda chove bastante e por vezes dentro do meu apartamento me assusta a violência das águas. Mas nesse período chegava a ser tenebroso. Estávamos lá dentro daquele barraco, a chuva forte lá fora, como podia uma estrutura daquelas aguentar uma tempestade assim? A água atravessava as paredes e escorria por debaixo da cama chegando do outro lado. Minha mãe nos colocou na cama e nos cobriu com guarda chuva, e aquela foi mais uma noite em que contamos com a sorte e a caridade divina. 

Hoje as lembranças que me atordoam são muito mais assustadoras do que naquela época, pois, eu não entendia o perigo que nos rodeava. Era comum esses barracos caírem, também era comum os telhados voarem, aquelas telhas de amianto, ali presas de qualquer forma… 

Não sei por quanto tempo ficamos ali naquela morada, mas calculando por meu tempo de escola creio que tenha sido uns 2 ou 3 anos, e juro que esse foi o lugar mais perigoso em que moramos…sobre outros, falarei em breve…